terça-feira, 29 de agosto de 2017

Seleção

Existe dentro de mim um sentimento sutil e avassalador de deslumbramento com relação à vida. Não me refiro a "vida" como o limitado conjunto de experiências subjetivas que reconheço como minhas, mas ao fenômeno complexo que persiste na Terra há mais de um trio de bilhões de anos. Impressiona-me toda a diversidade que permeia os solos, as águas, a atmosfera; mas sobretudo me impressiona a arrebatadora fragilidade do que significa estar vivo. Paremos para pensar, ser conhecedor de linguagem terráquea, quantos fatores de perigo vagueiam ao seu redor neste momento? Não, não se prenda ao agora: quantas coisas poderiam ter causado sua morte até hoje? Eu, por exemplo, moro no quarto andar de um prédio que poderia cair a qualquer momento, tenho facas na minha casa que podem me provocar machucados, fico de cabeça para baixo em lugares altos, me desloco em veículos sobre rodas a velocidades muitas vezes mais altas que o corpo humano está preparado para atingir. Existem armas e existem pessoas que operam as armas e existem corpos humanos que param de funcionar com o mero impacto de um pedaço de metal disparado com a aceleração certa para causar uma hemorragia sem volta. O corpo humano quebra, o corpo humano sangra, o corpo humano não é nada diante de um único grande colapso.
Ainda assim, cada pessoa, e mais importante, cada ser vivo existente no planeta é resultado somente de sucessos da evolução.
Não é possível saber quais fraquezas de hoje permanecerão no cenário de novos mundos, nem calcular quantas histórias só viverão no registro fóssil de milhões de anos no futuro; mas
cada esponja do mar e cada beija-flor que estão vivos são a extremidade de uma enorme linha que os liga ao primeiro ser que surgiu, sobreviveu e se reproduziu neste planeta. Eis a grande beleza da evolução: ela transforma em força aquilo que é frágil, no momento em que mantém a existência dos seres quebráveis que, pelas mudanças, nunca se quebraram por completo.

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