terça-feira, 29 de agosto de 2017

Oração

A vida é uma coleção de ilusões. Ela, por si só, é um delírio conceitual da consciência de seres bilateralmente simétricos com sistemas nervosos altamente centralizados. Nós, humanos de cabeças cheias de líquido e massa cinzenta, tendemos a supor que sejamos os únicos capazes de pensar a ponto de procurar um sentido para a vida. Eu acho perfeitamente possível que algum ser desconhecido tenha uma quantidade parecida de neurônios ociosos para isso, mas, pelo menos em humanos, o gasto de energia às vezes vai longe demais.
Quando me perguntam (não que me perguntem de verdade), prefiro responder que o sentido da vida é 5' 3', porque é o sentido da replicação do DNA. Simples, objetivo, ainda ressalta o fato de que eu gosto de biologia.
Não acredito que o universo tenha consciência, ou que tenha sido criado por um ser consciente, ou que sofra a interferência constante de uma autoridade suprema com qualquer tipo de moral ou juízo de valor ou vontade. Justamente por isso não me faz o menor sentido que a vida - como fenômeno coletivo ou individual - surja com uma finalidade. A ciência deu um grande passo livrando-se dessa ideia ao falar de transformação da vida. Seres vivos não evoluem para. Seres vivos evoluem porque. A causa é sempre anterior à consequência quando o fenômeno em si é inconsciente.
Talvez o incontrolável medo da morte leve os homens e mulheres a se agarrarem a mitos de criação e a amparos metafísicos que tornem a existência um pouco menos vazia. Se há um sentido, há algo além, se há algo além eu vou além. Se não há um sentido, cada pessoa viva existe por um ponto insignificante no tempo (que eu não sei mais se é uma linha ou um plano ou uma rede ou nada). Se não há sentido, somos uma série de acasos selecionados não-aleatoriamente (porque a natureza tem critérios lógicos desprovidos de vontade) cujos resultados são experiências sensoriais estonteantes, que usamos nos preocupando com o que está além do ponto, o que está além do tempo, o que está além da vida.
Eu não quero encontrar sentido, por mais que minha natureza humana me force a pensar sobre isso. Se é para procurar, que seja com a consciência de que essa busca é criativa e com a posição cética de que o universo não tem a menor obrigação de me conceder respostas fáceis.
A morte me apavora antes que eu caia no sono.

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