terça-feira, 29 de novembro de 2016

Mágoa discursiva

Ontem eu decidi que não ia mais ligar. Decidi que não vale a pena alimentar uma briga contra você da qual só eu participo, da qual você nem está ciente. Então hoje você falou meu nome, começou a conversa, expôs ideias que só não são suas porque você não se rende, foi como se quisesse participar da minha briga também. Isso me irrita. Me irrita que você afirme ter tantas certezas e que mesmo se preocupando tanto com a essência das coisas, acredite inocentemente que você a alcança porque os sentidos das forças da natureza te fizeram superior. Me irrita que nada que eu fale vai te fazer realmente parar pra ouvir e que eu não saiba a hora de encerrar a discussão mesmo que isso me leve a aumentar meu tom de voz e bater com o celular na mesa e rir tão nervosamente por ironia.  É impressionante como eu insisto em conversar mesmo depois de três vozes se juntarem para te dizer foda-se em unissono. Eu sempre ouvi. Eu não sei não ouvir. Eu ouvi no começo, quando você citou Schoppenhauer e o descrédito dos seus amigos te incomodava. Eu ouvi sobre a inexistência do amor, sobre a lista de chamadas da faculdade, sobre sua preocupação com a possibilidade da calvície. Não sei se você algum dia chegou ao nível de querer me conhecer. Se essa vontade já existiu, acabou no momento em que você conseguiu me beijar, e logo depois tirou suas mãos de mim tão rápido que deve ter levado um pedaço da minha pele. Eu estive disposta a te conhecer desde o começo, quando a sua inocência parecia leve em vez de teimosa, egoísta e cheia de autoafirmação nas coisas erradas.
Eu já percebi que seus beijos bêbados são sobre você e mais ninguém e que mesmo pedindo para segurar a minha mão você me via como coisa; porque eu vi você fazer com outras pessoas o que fez comigo. Você consegue o que quer e vai embora porque acha que é livre. Mas eu não me senti livre. Então toda hora que mencionam o seu nome e você não está, meus músculos se contraem, ansiosos por esboçar alguma reação; toda vez eu sinto necessidade de não ficar calada, talvez para que o mundo ouça aquilo que eu queria te dizer mas tenho plena consciência de que não te faz a menor diferença. Eu já disse que você me machucou me cortando sem explicações, você não pediu desculpas. E só continuou cativando outras meninas e indo embora da mesma forma que fez comigo e antes de mim. Por isso quando falam o seu nome, e mencionam algo que você falou com o coração que eu sei que existe, eu me pergunto por que eu fui tão indigna da sua amizade, da sua consideração, por que eu fui tão pouco especial. E me dói que nesses momentos, quando você é assunto, tantas coisas ruins apareçam, e que o tom das pessoas seja de irritação, de mágoa, de decepção. Porque é o meu tom também e eu odeio participar disso. Eu não quero mais ligar. Eu quero uma boa convivência e bons sentimentos, porque das duas pessoas que eu beijei você foi a segunda e eu me recuso a pensar nisso como um erro. Eu não me arrependo de ter gostado de você e eu não consigo deixar de ver todas as coisas boas que eu vi. A culpa da sua manipulação emocional e da sua teimosia filosófica não são minhas. São suas, totalmente suas. Mas eu sinto empatia e não te desejo o mal (apesar de a vingança ser bastante confortável por alguns segundos) porque no fundo eu sei que insistir nisso só te afunda e eu nao quero ver ninguém morrer afogado. Você é uma criança velha demais que logo não vai mais poder usar suas dores pra justificar seus erros. Você está perdendo tempo. Mas hesito em fazer qualquer coisa pois nao quero cair no erro de mil mulheres que veem os erros dos homens e acreditam que vão salvá-los. Eu não vou te salvar. Eu não posso fazer nada além de discordar de você.

É sexta-feira, amor

O bar quase cheio, os músicos afinando os violões, as cadeiras de madeira, o vapor d’água que condensa em círculo, entre a mesa e o copo de guaraná. Minha bolsa jogada na quina da mesa, meu batom ainda vermelho, meus braços ainda cruzados, meus olhos mirando a rua. Tua camisa jeans no cantinho do meu campo de visão e eu fingindo que não te vi, após ter virado uma estátua de areia, desmoronando com o susto da tua imagem. Teu anel de caveira, o cheiro do teu perfume. Eu exposta, líquida, derramada no chão. As eleições e os copos de cerveja. E o garçom lá do outro lado. Teus amigos, a legalização da maconha, tua mão no meu braço. A batata frita, os chicken ribs e o molho. All you need is love. O passado - o teu, o deles, o meu. O casal se beijando na mesa ao lado. A prova real. Minha risada alta escondendo um sorriso torto. O celular, o horário, a conta. Tua mão na minha cintura por menos de um segundo. As espadas de plástico no balcão. Um centímetro incômodo e (des)confortável entre nossos cotovelos. Teu braço sobre meu ombro, tua voz invadindo meu ouvido, meu coração parado, meu rosto congelado. Os degraus, as pessoas, eu segurando a saia para sentar. Minha mão brincando com o casaco de alguém, atravessando a mesa. Tua mão sobre a minha mão. A hora de ir embora. O carro preto na esquina, os beijos de despedida. O teu, sempre o último, burocrático. Não vai embora, deixa tua pele encostada na minha. E eu partindo no carro, sem o batom vermelho que deixei no copo de guaraná e na batata frita.

(sobre pessoas que eram outras pessoas em 2014)