quarta-feira, 4 de abril de 2012

O mundo não é meu

Meu colchão geralmente fica colado na parede cinzenta, sob alguns lençóis amarelos e azuis, um pouco velhos.  Minha casa é diferente, tem até uma vista interessante para a rua. Observo os carros passarem e as pessoas conversarem sobre tudo, exibindo roupas belíssimas que desejo comprar um dia.

Há um rio aqui perto, não gosto de tomar banho nele porque odeio atrair olhares. As pessoas passam por minha casa e às vezes nem me notam, mas nunca gostam de mim quando notam. Algumas fazem questão de mostrar isso, olhando-me com reprovação ou desprezo, outras apenas olham-me fixamente, sem esboçar reação. Mas eu até aguento. Insuportável mesmo é quando elas olham com medo. Parece que acham que eu faria alguma maldade, quando tudo que mais quero é não ter que aguentar as maldades da vida. Sinto como se fosse culpa minha morar ali...

Meu pai sempre disse que eu tinha sorte por poder morar perto de um cruzamento movimentado - isso até ele morrer atropelado por um caminhão de refrigerante. Mas sorte é coisa que nunca tive. As pessoas gostam das crianças felizes e bonitas e não sou nenhum dos dois. Não sorrio, então não sorriem para mim. E não sorrio porque não sorriem para mim. Os guardas tentam me expulsar de casa, mal sabem eles que posso muito bem arrumar outra calçada e levar junto meu colchão e meus lençóis velhos. O problema é quando chove: é mais difícil achar lugares diferentes com marquise.

Não costumo ter raiva da vida, o que acontece é só uma vontade extrema de chorar. Chorar, gritar soluçar e ter alguém para me consolar e me deixar melhor – assim como as mães fazem após dizerem que não vão comprar tal brinquedo para seus filhos. Mas eu não tenho ninguém assim, então não choro. Prefiro me arriscar no mesmo cruzamento onde meu pai morreu porque em alguns dias eu consigo moedas e elas me deixam um pouco melhor, por algum tempo. Mas na verdade eu nunca estou exatamente bem.

Essas moedas, com a comida que representam, me dão uma ideia do que é estar feliz. Já ouvi alguns garotos de uniforme e homens de terno dizendo que dinheiro não traz felicidade... Mas a falta dele tira a felicidade. Esse tal de dinheiro marca as pessoas e é culpa dele se não gostam de mim. É culpa dele se passo a vida tentando me alimentar e me aquecer e me manter sem doenças (que mataram a minha mãe). É culpa dele se me machuco a cada vez que me olham. É culpa dele se não sei se prefiro lutar pela sobrevivência ou morrer logo. É tudo culpa dele!  E o mais angustiante é que este mundo aqui, onde eu vivo, pertence a ele.

Talvez eu não tenha casa mesmo...