Para Gabriela Correia
“Viva!” eles dizem em volta, “viva longe dessas telas de TV
e computador”. E é claro que eu gostaria de viver, mas já conheço a vida lá
embaixo do prédio. As mesmas casas, a mesma rua, as mesmas obras e diferentes
carros passando, às vezes desacelerando por um momento pra gritar “gostosa!”
para mim ou para qualquer outra garota na calçada. Os caminhos de ônibus para a
escola e para as casas das minhas amigas eu também sei de cor. Os engarrafamentos,
as buzinas, as pessoas sentadas cada uma em seu canto, felizmente sem invadir o
espaço de ninguém na maioria das vezes.
“Quando
eu era jovem eu pegava o carro, ligava com um cortador de unhas e ia pra onde
me desse na telha” dizem os tios, “hoje vocês ficam sentados esperando o tempo
passar”. Se eu fizer isso, há duas possibilidades: ou eu morro na primeira
esquina, ou eu morro quando chegar a casa. O mundo já é perigoso por si só, eu
não posso adicionar riscos a ele.
“Sai
um pouco desse quarto! Vai ficar sem ver a luz do dia?”, pergunta a família.
Mas está chovendo e eu já conheço a sensação dos domingos. Amanhã tem aula e eu
nem fiz meu dever de casa e não tenho a menor vontade de começar, mas eu
conheço os sermões dos professores que só pedem um pouco de dedicação a mim e
aos meus colegas. Só um pouco de dedicação deveria bastar.
“Vocês
estão na época de se apaixonar, de sofrer por amor, de viver paixões
despirocadas”, ousam dizer alguns adultos. No meu caso, só vivo de paixões
frustradas, meios-beijos de dois anos atrás e nenhuma atração por conhecidos ou
desconhecidos. Porque, na verdade, todas as pessoas que eu conheço parecem ter
estado lá sempre. Não há grandes festas, nem alunos novos na natação, nem
encontros e conversas promissoras em viagens de ônibus.
“Arrume
algo pra fazer”, alguns pedem enquanto me olham com olhar de reprovação, “vai
sentir alguma coisa, meu Deus”. E eu fico calada, mas no fundo me pergunto:
como? Como se recomeça a sentir? Como eu experimento novas sensações se não
posso nem escolher os lugares aonde vou sem causar grandes conflitos? Como se conhecem novas emoções quando se tem
horário para voltar para casa?
“Vem
brincar comigo, você é jovem”, diz o mundo. “É”, ele repensa, “não vem, não;
você é muito jovem”. E eu só olho de novo para a tela do computador.